domingo, 15 de fevereiro de 2009

O que é isto?


Lembro-me de já a noite ir avançada. Na altura, eu tinha 12 anos e dormia sempre uns sonos muito profundos.A mobília do meu quarto, que tinha pertencido à minha mãe enquanto criança, era daquelas alentejanas, com flores, com uma cama de cabeceira enorme.Quando o sismo se começou a fazer sentir acordei, estremunhada, devido ao ruído próprio deste fenómeno, o som era ainda ampliado pelos batimentos provocados pela cabeceira da cama que chocava, com força, contra a parede.Estremunhada, saí da cama, atravessei o espaço que ficava ao cimo das escadas e devia estar quase sonâmbula, não sei como não me estatelei pela escadaria abaixo. Entrei no quarto dos meus pais e perguntei-lhes, não muito assustada:

“O que é isto?” – No quarto deles, um antigo candeeiro de vidrinhos que ainda hoje lá está, tilintava sem parar. Respondeu-me então a minha mãe em tom calmo, mas de preocupação:

“É um tremor de terra, é melhor vires para junto de nós. Podes enfiar-te debaixo da nossa cama".Respondi-lhes de imediato: “O quê? Um tremor de terra a uma hora destas? E que ideia é essa de me mandarem deitar no chão? Durmam e não estejam com invenções”. É certo que nunca tinha experimentado a sensação, mas penso também que a minha reacção se explicou pelo sono pesado e por alguma descontracção própria da idade.Regressei ao meu quarto, no mesmo passo de quem dorme acordada, enrosquei-me nos cobertores – a trepidação entretanto tinha terminado - e peguei de imediato no sono. Na manhã seguinte, lembrava-me de tudo isto, mas parecia-me ter sido um acontecimento irreal, cheguei a pensar que não tinha passado de um sonho.
Saltando agora para os nossos dias e, como professora, gostaria de referir que já temos feito, na escola, com o apoio dos bombeiros, simulações a fim de ensinar aos alunos os procedimentos a adoptar caso sucedam estas catástrofes. Tendo-me chegado aos ouvidos que nem sempre os miúdos levam a experiência a sério, gostava de deixar a ideia de que é importante saber seguir à risca as instruções, o que poderá significar o salvamento de vidas caso a terra venha verdadeiramente a tremer.


Texto de uma professora que relembra assim a sua experiência do sismo de 1969, articulando com a sua experiência de educadora. Muito obrigada TVL por este texto de tanta qualidade e riqueza.

Desenho de Isabel Pissarra

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