quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Se a escola caísse?


Tinha nove anos quando se deu o sismo de 1969. Vivia então com os meus pais em Coimbra. Acordei com o barulho. Ainda hoje não sei defini-lo, mas recordo-o com precisão. Parecia um troar cavernoso, próprio de monstros do mar. E depois, comecei a ouvir vozes e gritos de pessoas na rua, era madrugada e a noite estava fria. Olhei para a cama ao lado, a minha irmã dormia ferrada e nem pestanejava. Corri então para o quarto dos meus pais e vi os armários e cómoda a deslizarem pelo quarto fora. Pensei, que coisa estranha. Lembro-me que a minha mãe me abraçou e disse: Reza uma oração e fecha os olhos, vais ver que passa num instante. Foi o que aconteceu, adormeci logo.
De manhã soube o que tinha ocorrido e explicaram-me o que era um sismo. Como a minha escola era um edificio antigo, convenci a minha mãe a acompanhar-me lá, esperançosa que estava que a escola tivesse ido abaixo e que ficássemos de férias. Mas nada, a escola resistiu incólume, a minha mãe sorriu e deixou-me entregue à professora. Nesse dia todas falámos do assunto e ouvi histórias sobre a figura dos vizinhos na rua envoltos em mantas e de pijamas. Foi uma risota. Mas acho que nenhuma de nós esqueceu o que se passou naquela noite.
Naquela altura não se ensinava às crianças o que fazer nestas situações. Agora já existe muita informação sobre o que temos que fazer antes, durante e depois de um sismo, evitando assim algumas das suas consequências.

O sismo de 1969 visto pelas crianças da época


Nadíssima

Alguns tremores de terra são muito fortes. Não gosto nadíssima deles, porque fazem as casas e os prédios tremer e destroem as coisas.
Quando há um tremor de terra anda tudo em volta, por isso não é agradável.Há pessoas que começam a chorar, sem saber o que devem fazer. Há pessoas que vão para o hospital, feridas e nervosas

Maria de Aires Gameiro Militão
Diário Popular de 1 de Março de 1969

Aprende mais

O que foi o sismo de 1969?

Caracterização
No dia 28 de Fevereiro de 1969, pelas 2h 40min 32.5 ocorreu um sismo de magnitude 7,3 na escala de Richter, tendo o seu ipocentro sido localizado a Sudoeste do cabo de S. Vicente, na planície da Ferradura com as coordenadas 36,01ºN 10,57ºW e a uma profundidade de 22 km.


Efeitos e avaliação de danos
O sismo provocou alarme e pânico entre a população, avarias nos telefones e corte no fornecimento de energia eléctrica. Registaram-se 13 vítimas mortais em Portugal Continental, embora apenas 2 em consequência de danos directos causados pelo sismo, sendo as restantes originadas por doenças cardíacas agravadas pela comoção.
Logo após o sismo, no início de Março de 1969, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil promoveu uma missão aos locais mais afectados para analisar o desempenho das estruturas, em particular estudar o comportamento de edifícios de grande porte com estrutura de betão armado. Pretendia‑se assim tirar conclusões sobre o desempenho das estruturas enquadradas pela regulamentação em vigor à data do sismo, ou seja, o Regulamento de Segurança das Construções Contra os Sismos, datado de 1958 e que foi o primeiro regulamento sismo‑resistente, com características modernas, existente em Portugal.

Fonte: LNEC

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O que é isto?


Lembro-me de já a noite ir avançada. Na altura, eu tinha 12 anos e dormia sempre uns sonos muito profundos.A mobília do meu quarto, que tinha pertencido à minha mãe enquanto criança, era daquelas alentejanas, com flores, com uma cama de cabeceira enorme.Quando o sismo se começou a fazer sentir acordei, estremunhada, devido ao ruído próprio deste fenómeno, o som era ainda ampliado pelos batimentos provocados pela cabeceira da cama que chocava, com força, contra a parede.Estremunhada, saí da cama, atravessei o espaço que ficava ao cimo das escadas e devia estar quase sonâmbula, não sei como não me estatelei pela escadaria abaixo. Entrei no quarto dos meus pais e perguntei-lhes, não muito assustada:

“O que é isto?” – No quarto deles, um antigo candeeiro de vidrinhos que ainda hoje lá está, tilintava sem parar. Respondeu-me então a minha mãe em tom calmo, mas de preocupação:

“É um tremor de terra, é melhor vires para junto de nós. Podes enfiar-te debaixo da nossa cama".Respondi-lhes de imediato: “O quê? Um tremor de terra a uma hora destas? E que ideia é essa de me mandarem deitar no chão? Durmam e não estejam com invenções”. É certo que nunca tinha experimentado a sensação, mas penso também que a minha reacção se explicou pelo sono pesado e por alguma descontracção própria da idade.Regressei ao meu quarto, no mesmo passo de quem dorme acordada, enrosquei-me nos cobertores – a trepidação entretanto tinha terminado - e peguei de imediato no sono. Na manhã seguinte, lembrava-me de tudo isto, mas parecia-me ter sido um acontecimento irreal, cheguei a pensar que não tinha passado de um sonho.
Saltando agora para os nossos dias e, como professora, gostaria de referir que já temos feito, na escola, com o apoio dos bombeiros, simulações a fim de ensinar aos alunos os procedimentos a adoptar caso sucedam estas catástrofes. Tendo-me chegado aos ouvidos que nem sempre os miúdos levam a experiência a sério, gostava de deixar a ideia de que é importante saber seguir à risca as instruções, o que poderá significar o salvamento de vidas caso a terra venha verdadeiramente a tremer.


Texto de uma professora que relembra assim a sua experiência do sismo de 1969, articulando com a sua experiência de educadora. Muito obrigada TVL por este texto de tanta qualidade e riqueza.

Desenho de Isabel Pissarra

O sismo de 1969 visto pelas crianças da época

Ninguém morava lá

De noite veio um tremor de terra muito forte, que levantou a minha barraca. Levantou as camas e esteve muito tempo a abanar as camas e a barraca.
A minha mãe estaca com medo que a barraca caíssse abaixo.
Estava lá a barraca duma minha vizinha e caiu abaixo. Não morava lá gente nenhuma

Escrito por Dulce da Conceição Carvalho, Diário Popular de 1 de Março de 1969.
Na imagem está representado um sismógrafo.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O sismo de 1969 visto pelas crianças da época


Julgava que eram ladrões!

As casas abanavam. E eu e a minha mãe cheias de medo, porque o meu pai estava a trabalhar. Eu ia desmaiando com medo e a minha mãe estava aflita. No trabalho do meu pai caiu o telhado e os homens iam morrendo todos se não fossem a fugir. Na minha casa caiu o gira-discos para o chão o candeeiro partiu-se. A minha cama e a cama da minha mãe tremiam. E as chávenas da minha tia caíram todas para o chão. E depois quando acabou o tremor de terra , o meu tio disse para a minha mãe - Assustaste-te?
-Pois assustei-me, porque julgava que eram os ladrões a empurrar as tábuas!

Escrito por Maria de Lurdes dos Santos e publicado no Diário Popular de 1 de Março de 1969.

Imagem de Isabel Pissarra

O sismo de 1969 visto pelas crianças da época

No Ziguezague

Hoje houve um tremor de terra. A minha cama abanou, os copos cairam, daí a um bocado caiu o armário. Acordei com o estrondo queria passar e não podia. Mal pus o pé em cima do armário, senti-me ir abaixo. O meu pai acordou, vinha a passar e caiu dentro do armário. Foi para a rua, o chão estava no ziguezague. Eu estava na cama e a sonhar que estavam duas lagartixas a passar pelo contador da electricidade. Fugi para a cama da minha avó até agora. Fui dormir e acordei bem disposta.


Escrito por Maria Júlia de Meneses Nogueira, publicado no Diário Popular de 1 de março de 1969
Desenho de Rob Gonsalves

O sismo de 1969 visto pelas crianças da época




Vai fazer este ano 40 anos, no dia 28 de Fevereiro, que ocorreu um grande sismo em Portugal.
Uma professora recolheu alguns depoimentos de meninos do 3º ano do 1ª Ceb sobre o assunto.
Vamos ler?

"Era uma vez um senhor que estava na rua quando gritou. O meu prédio parecia que estava a cair. A minha cama não abanou. A cama da minha mãe parecia um berço. Eu estava a tremer com frio. Eu estava cheia de medo do tremor de terra. A minha tia fugiu de casa. Eu não queria ir para o quarto. Eu tinha medo de ir para a cama, tinha medo que viesse outro. Eu cá não queria andar na rua. Eu tenho muito medo do tremor de terra."

Escrito por Maria Manuela Sousa Martins e publicado no Diário Popular de 1 de Março de 1969.